Nas últimas eleições municipais, candidatas mulheres que não receberam nenhum voto foram a maioria; veja números
Entre os candidatos a vereador que não tiveram nenhum voto nas eleições municipais de 2020, as mulheres foram maioria. Ao todo, 1.475 candidatas não receberam sequer o próprio voto, contra 871 homens que ficaram zerados. Os dados são de levantamento feito pelo R7 com base no painel de monitoramento das eleições do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Segundo especialistas, as estatísticas indicam possível fraude eleitoral, visto que a lei estabelece que pelo menos 30% dos candidatos sejam do sexo feminino. O número de concorrentes ao pleito sem nenhum voto, no entanto, revela uma suposta existência de candidaturas laranjas, inscritas para que o partido atendesse ao percentual previsto em lei. No pleito deste ano, o TSE promete fortalecer a fiscalização contra esse tipo de golpe.
Em 2020, a quantidade de candidaturas femininas foi menor em relação às masculinas: 338 mil homens concorreram a vereador contra 180 mil mulheres.
Doutor em Direito Constitucional pela USP (Universidade de São Paulo) e especialista em direito eleitoral, Antonio Carlos de Freitas Jr explica que a votação zerada ou inexpressiva é um dos indicativos de fraude à cota de gênero, mas há outros métodos que podem comprovar a fraude na Justiça Eleitoral.
“Outros dois indicativos de fraude são: a ausência de atos de campanha e a prestação de contas de campanha zerada ou padronizada com outros candidatos do partido. Vale ressaltar que não é necessária a combinação dos três indicativos para o reconhecimento da fraude, ou seja, pode haver apenas um deles, mas, analisando os fatos e circunstâncias do caso, a Justiça Eleitoral pode reconhecer a fraude” (Antonio Carlos de Freitas Jr, especialista em direito eleitoral)
O especialista alerta, no entanto, que alguns candidatos chegam a desistir de concorrer, mas não formalizam a decisão na Justiça Eleitoral. “De modo que seu nome é mantido como opção para voto. Como o próprio candidato desiste, este vota em outro candidato ou nem mesmo vota, gerando assim zero votos para si próprio. Por fim, existe o caso anedótico de um candidato fazer toda sua campanha com um número errado.”
Advogado criminalista, Amaury Santos de Andrade explica que as “candidaturas laranjas” são registradas “apenas para cumprir requisitos legais, sem a intenção real de fazer campanha ou receber votos”. “Isso tem sido mais comum em relação à cota de gênero, aonde partidos lançam candidaturas de mulheres apenas para atender à exigência de que 30% das candidaturas devem ser de um gênero diferente da maioria”, pontua.
O advogado destaca que em alguns casos a medida é uma estratégia partidária.
“Alguns partidos políticos registram mais candidatos do que realmente pretendem apoiar. O sistema proporcional utilizado nas eleições legislativas no Brasil (incluindo as câmaras municipais) permite que partidos elejam candidatos com base no total de votos recebidos pelo partido ou coligação”
(Advogado Criminalista, Amaury Santos de Andrade)
Andrade acrescenta que “dessa forma, muitos partidos lançam o maior número possível de candidatos, mesmo que não tenham recursos para financiar as campanhas de todos, com o objetivo de aumentar a quantidade de votos totais e conseguir mais cadeiras no legislativo”. “Muitos desses candidatos acabam não recebendo votos, nem mesmo o próprio, devido ao desinteresse ou ao desânimo”, analisa.
Punições à fraude
Freitas Jr explica que a Justiça Eleitoral pode cassar a legenda e o candidato que fraudaram de cotas. “Isto é, todos os candidatos daquele partido em que houve fraude não serão mais considerados candidatos, mesmo após as eleições, e os eleitos não tomarão posse. Tal sanção é aplicada independentemente de prova no sentido de que os outros candidatos sabiam ou concordaram com a fraude”, explica.
“Com isso, todos os votos obtidos pelo partido para o cargo de vereador são anulados, sendo refeitos os cálculos do quociente eleitoral e partidário, faz com que candidatos não eleitos de outros partidos sejam considerados eleitos. Além disso, pode ser aplicada a condição de inelegibilidade de todos que praticaram ou anuíram com a conduta fraudulenta”, acrescenta. (Antonio Carlos de Freitas Jr, especialista em direito eleitoral)
Este ano, para tentar impedir às fraudes, o TSE reforçou o entendimento de que os partidos que burlarem a cota de gênero podem receber punições até mesmo com os candidatos eleitos. Em 2023, os ministros da corte confirmaram fraude em cotas ao julgar 61 recursos. Este ano, o número já chegou a 20. A fraude também foi reconhecida em julgamentos realizados no plenário virtual, com condenações a 14 municípios em seis estados do país.
Fonte: R7